Embora tenha havido uma evolução nos aspectos de profissionalização e governança nas últimas décadas, estudos mostram que cerca de 70% das empresas familiares não conseguem sobreviver da primeira para a segunda geração. E somente cerca de 10% das organizações chegam à terceira geração.
Há diversas razões que levam a essa baixíssima taxa de sobrevivência. Entre as principais estão a falta de planejamento sucessório, conflitos familiares e a dificuldade em separar os bens e interesses da família dos negócios da empresa. Além disso, muitos sucessores não têm a preparação necessária para assumir a gestão do negócio?.
Nesse contexto, existe ainda um elemento do qual pouco se fala, mas que impacta fortemente o processo de passagem do bastão: a conexão com a paixão do fundador.
Como conseguir transmitir para as gerações seguintes a paixão (reinterpretada) e as motivações que fizeram com que o fundador criasse e desenvolvesse seu negócio?
Percebo que, quanto mais as gerações se afastam do fundador, mais rara é a conexão desse mote que trouxe a empresa até o momento presente e, consequentemente, menor o comprometimento.
John Davis, professor da Harvard Business School e pioneiro no estudo de governança corporativa e sucessão em negócios familiares, aponta para alguns elementos que ajudam a criar uma conexão emocional mais profunda dos sucessores com a empresa, como o compartilhamento das histórias e do propósito, o alinhamento dos valores pessoais e familiares aos valores da empresa e o envolvimento da família no negócio desde cedo.
Da mesma forma, um dos segredos para que a transição não se torne apenas uma obrigação é que os fundadores ou seus sucessores familiares saibam respeitar os interesses individuais dos filhos, sem controlar excessivamente o processo, e entender que eles são pessoas diferentes, com diferentes habilidades e ideias próprias.
Conflitos entre pais e filhos costumam surgir por falta de conversas abertas ou porque as expectativas de ambos os lados não são geridas adequadamente.
Transmitir legado requer também um importante grau de autoconhecimento da liderança, principalmente quando falamos da segunda para a terceira geração, ou para as gerações seguintes. É preciso ter clareza do que se espera do próximo ciclo. Vale se fazer algumas perguntas: você tem consciência de onde você vem? Como chegou a essa posição de liderança? Quais foram os eventos ao longo da sua vida que o prepararam para construir essa liderança? Quais foram suas maiores inspirações? De que forma seus pais ou familiares empresários o prepararam para isso? Quem o influenciou? O que você mais aprendeu com seus pais e quais erros não repetiria no que diz respeito à empresa? Quais são as suas maiores preocupações com o futuro? O que você gostaria que seu filho enxergasse e que você não foi capaz de ver ou aprender?
Responder a essas perguntas pode ajudar o empresário ou empresária a olhar para frente, e reinterpretar suas experiencias à luz do cenário presente com o olhar no futuro. O melhor líder para uma empresa familiar é aquele que é formado para ler a vida, para ler os cenários, para olhar para o futuro e ser altruísta. Da mesma forma, como eu disse na minha coluna anterior, é aquele que sabe a hora de encerrar o seu ciclo e abrir o próximo. A generosidade de dividir com o outro aquilo que você aprendeu e transmitir o legado com paixão pode ser a chave para a continuidade e o sucesso do negócio.
Vicky Bloch é fundadora da Vicky Bloch Associados, professora do IBGC, da FIA e membro de conselhos de administração e consultivos